Friday, June 01, 2007

A quem essa mensagem conseguir alcançar

Ufa.

Não há como descrever adequadamente o sufoco pelo qual eu tenho passado, mas tenho de me explicar.

Já há muito perdi a noção da contagem dos dias aí na Terra, mas creio que já deve fazer bastante tempo desde que por último escrevi.

Agora, meus caros, a situação é desesperadora - desesperadora!

Se os venusianos me reverenciavam quase como uma celebridade divina, agora sou como que um prisioneiro de minha própria desgraça.

Agora estou sob estrelas totalmente diferentes.

Sim, por algum motivo eu não estou mais em Vênus.

Mais, não estou na Via-Láctea.

De fato, eu não sei em que galáxia estou. Nunca prestei atenção em Astronomia, mas sei que não é a Via-Láctea - porque me disseram.

E porque aqui onde estou vivem as pessoas - ou não pessoas - mais estranhas que eu já vi ou qualquer um já viu, penso eu.

As pessoas que me trouxeram - ou ao menos me acolheram - não são tão esquisitas, exceto pelo fato de que usam roupas monocromáticas, de tons neutros.
E suas máscaras-capuzes não tem lugar para olhos. Às vezes me pergunto o porquê.

Mais estranhos, porém, são os inimigos dos meus captores/anfitriões.

Tão logo cheguei - embora essa seja uma história comprida demais por agora -, os sem-olhos-aparentes ficaram satisfeitos de constatar que eu era um ser humano.

Um ser humano.

Aparentemente, eles são os últimos humanos puros.
Os outros - que, pelo que percebi, são a maioria - são adaptadores. Ou melhor, geramorfos, segundo... Bem, todos.

Não me pergunte como eu entendo a língua deles.

Geramorfos. Eles podem se adaptar a qualquer forma - com uma estranha deficiência em sempre possuírem um espécie de visor.

Eles são bem estranhos.

Tudo aqui é tão estranho.

O último venusiano que veio comigo morreu há dez minutos.

Estou sozinho - sozinho!

Se alguém ler isso: ajude-me!

Friday, August 18, 2006

A Cultura

Quem diz que cultura é música, teatro, literatura e toda essa papagaiada, não é venusiano.
A 'televisão' aqui não é algo pra entreter. É mais para instruir (na maioria dos canais) ou para emburrecer (um ou dois canais). Mais ou menos o contrário da Terra.
Nada de Woody Allen, nada de Fernanda Montenegro... Isso faz uma falta tremenda.
Nada de música também. Sinto muito, Vênus, mas sem Legião Urbana um mundo não é de nada.

Pelo menos, até hoje, não vi nenhum inca venusiano.

Wednesday, August 02, 2006

Os Vizinhos

Um vilarejo aqui perto da capital tem um moinho. Um moinho decorativo; ninguém aqui sabe pra que serve um desses. na verdade, nem eu, mas mandei colocá-lo ali.
Não me atrevi, ainda, a sugerir a reintrodução dos veículos. Acho que, para um visitante, acabei tendo poder demais aqui. Não faz bem, eu não tenho amor pelo povo. Ao menos por enquanto.
Mas eu entendo das necessidades. Eles precisam de desafios. A vida venusiana é pacata demais. Toda essa perfeição não ajuda. Não existe rivalidade política no planeta. E parece que não existe vida nos outros planetas do Sistema Solar (eles ainda não arriscaram sair em busca de outros sóis). Exceto na Terra, claro, e... em Marte.
É, parece uma coisa de ficção científica barata, mas eles me garantem que existe vida em Marte. Avançada mesmo. Quilômetros à frente dos humanos. 'Ah, bem', eu pensei. Afinal, não é tão difícil ser mais evoluído que os humanos.
Mas eles não são só evoluídos. Parece que são fundamentados na guerra. Brilhantes dentro de uma nave, mas incapazes de encontrar comandantes decentes.
'Mais ou menos como os venusianos', mas guardei esse pensamento pra mim. mas não adiantou muita coisa, foi como se eles o tivessem lido. Ora, então Marte também resolveu usar um humano para liderá-los. Espertos, eles: se os humanos não se importam nem com os semelhantes, que dirá de alienígenas malucos (esses seríamos nós, venusianos - afinal, eu já sou mais venusiano que terráqueo!).
E não são só eles e nós; Plutão tomou a mesma decisão. Ah, é mesmo, eu tinha esquecido de dizer que Plutão é habitado também; só que a tecnologia deles é mais atrasada. Eles estão longes demais do Sol pra conseguir fazer motores solares, e esse passo é fundamental pra continuarem avançando. Assim, eles ainda estão na viagem até a Terra; para as próximas semanas se espera que eles consigam 'convencer' um terráqueo e iniciar a viagem de volta.
Enquanto isso, o nosso serviço de inteligência tenta descobrir quem é o terráqueo em Marte e de que país ele veio. Acho que logo saberemos; as freqüências que os marcianos usam pra transmitir mensagens têm a péssima fama de serem extremamente vazadas.
Agora é hora de descobrir pra que serve o moinho.

Tuesday, August 01, 2006

Os Habitantes

É estranho, mas os venusianos nunca me surpreendem. Nunca. O que eu acho que eles vão fazer é invariavelmente o que eles fazem. Consequência, eu acho, de serem tão avançados. Essa matemática deles é perfeita; mas nada tão irritante deveria ser permitido.
Os dias são monótonos. Bem, pelo menos as reações sociais deles. Ninguém nem mesmo pergunta mais o que a pessoa quer; é só trazer e pronto.
Talvez eles não sejam previsíveis, e sim acostumados. Acostumados a não tomar a decisão pra si mesmos e tomar pelos outros. Costuminho terrível.
Mas até que não é tão monótono assim. Tem uns animais engraçados aqui (não me refiro, é óbvio, ao que quase arrancou minha mão), e alguns realmente fofos. Um deles era tão fofo que dava vontade de jogar na parede. Só que, pelo jeito, isso já é um jogo por aqui.
E são tantos tipos, e são tantos pelo planeta todo, que eu quis ter um sob minha guarda. Foi quando descobri que quase todos eram já domesticados, mesmo não pertencendo a ninguém específico. Isso que é civilização.
Bem, com quase todos já adestrados, não me parecia mais tão divertido ter um.
Depois, é lógico, eu resolvi adotar o que quase me arrancou a mão.

Monday, July 31, 2006

O Planeta

É claro, no começo eu não conhecia nada mesmo. E fica aquela coisa: um rei que não sabe onde está? Fica entre eu e vocês, já que nenhum deles achou isso estranho.
Mas também não acharam estranho quando eu quis conhecer o planeta. Aliás, eles sempre fazem o que peço com a maior naturalidade e puxa-saquismo; acho que já disse isso aqui.
Bem, o jeito deles de viajar é estranho. Não que seja exclusivamente venusiano, mas eles são extremamente hipócritas em relação a isso.
Olha só, eles podem entrar nas naves deles, viajar pelo universo poluindo tudo (será que polui? No vácuo?), mas na atmosfera deles...
Eles viajam com BICICLETAS! Cara! A humanidade nunca pensaria em não poluir o planeta. Sentimento humanitário? Ah, uma ova. Sentimento humanitário é isso, preservar o verde do planeta (ainda que o planeta tenha um leve tom marrom no ar).
Eu comentei isso com eles, e acharam graça. Pelo jeito os humanos ainda têm chance: eles só começaram a se conscientizar disso há pouco tempo (uns três séculos). Antes, o planeta tinha sido todo poluído, assim como na Terra.
Bem, boa sorte com os ecochatos aí.
(antes que eu me esqueça de dizer, eu digo: as cidades daqui são lindas, mas todas iguais. Acho que eles não aprenderam direito sobre individualidade, vou fazer umas mudanças por aqui.
Aguardem.)

Sunday, July 30, 2006

A Majestade (Tu és o homem!)

Durante a maior parte da minha estada aqui, o que mais me chamou a atenção foi o puxa-saquismo.
Impressionante. Não é gentileza, é puxa-saco mesmo. Prazer em te fazer se sentir o rei.
Todo mundo me tratou como se eu fosse uma celebridade, um monarca. Eu! Eu, que na Terra precisaria me esforçar arduamente pra ser conhecido! Para ser famoso no meu antigo planeta, eu precisaria, no mínimo, aguentar um mês em uma casa com gente chata ou lançar um CD de funk. Aqui, foi só botar meus mimados pézinhos no chão.
Ou qualquer que seja o nome que eles dão aqui.
Acho que não tinha falado disso ainda, mas eu não aprendi a língua deles. Não que eles não tenham tentado me ensinar, mas eu não precisei aprender. Eles devem ter usado uns poderes paranormais esquisitos e eu -plim- aprendi.
Mesmo assim, eu não abdiquei de usar minha língua, uma das únicas coisas que não rejeitei da minha terrinha.
Com muito mais disposição do que eu, eles aprenderam minha língua, e parece que gostaram - às vezes eles usam mais do que eu.
Mas, como eu dizia, todo mundo me tratava com muito respeito, como um ator, como um astronauta, como um rei.
Talvez por isso eu não tenha estranhado quando virei rei mesmo.

Saturday, July 29, 2006

A Chegada

Sair daquela nave, por fim, foi uma das coisas mais corajosas que já fiz - ainda que das mais óbvias.
Pisei com cuidado em cada degrau da escada, como se fossem de manteiga e não de metal. Na verdade, eu ainda não tenho muita certeza de como consegui não cair; deve ter a ver com a gravidade desse planeta.
Aliás, gravidade lembra cemitério. Logo, a Lua deveria ter mais vida que a Terra, já que a gravidade é menor. Certo?
Com aquela mudança de gravidade (leve mudança), eu não sabia como deveria me comportar. Ar de humildade? De confiança?
Bem, eu fiquei na indecisão. Parecia haver milhares deles me esperando, mas o silêncio era absoluto. As expressões, indefiníveis.
No entanto, quando afinal pus os pés pela primeira vez em Vênus, a multidão quebrou aquela paz com aplausos e berros ensurdecedores.
Acenei para eles. A milhares de quilômetros da Terra, eu finalmente estava em casa.